Amígdalas - Amigas ou
Inimigas?
Operar ou não operar –
Eis a questão...
“Causo” * (real): atendi certa vez, uma senhora que vivia em área rural,
que desejava operar as “amigas”* urgente, o mais rápido
possível, porque elas inflamavam 1x/mês e às vezes, até mais de uma vez no
mês (portanto > 12x/ano).
(“causo” é um termo
popular que usa histórias geralmente fictícias, mas que também podem ser
verdadeiras, para ilustrar uma situação engraçada – por isso houve a explicação
de que a história ocorreu de fato).
Veremos abaixo, que somente pelo
nº de infecções (≥ 6x/ano), a cirurgia já estaria bem indicada nesse caso, já
que a atitude mais adequada seria acompanhar e
contar o nº de infecções solicitar exames pré-operatórios e risco cirúrgico. Após
a 3ª infecção testemunhada por mim, se não houvesse impedimento constatado nos
exames, aí sim iríamos marcar a cirurgia.
Veja bem, que de acordo com a
prática médica e diretrizes estabelecidas por estudos científicos internacionais,
ainda que haja relato de urgência, a amigdalectomia não é cirurgia de urgência
– é eletiva (conforme expliquei anteriormente, ou seja: deve ser planejada,
tendo todo o preparo necessário para reduzir os riscos que envolvem qualquer
cirurgia (ou seja, seguir um protocolo
de segurança).
O profissional que trata dos
problemas relacionados com as amígdalas é o Médico Otorrinolaringologista
(ORL), grupo de especialistas do qual faço parte. Por solicitações, decidi
escrever um pouco mais sobre este assunto já que é uma queixa muito frequente
no consultório e com isso dirimir mais algumas dúvidas.
No passado, operavam-se muitos
casos, que hoje não operamos (acredito ser principalmente graças à evolução de
antibióticos e antialérgicos). Geralmente
a alergia inflama nariz, garganta e ouvidos (inflamação sem infecção) – mas
pode complicar ainda mais com infecções oportunistas - gripe (vírus) e/ou
evoluindo com infecção bacteriana.
Então, tratando da alergia, há uma melhora significativa da quantidade e
intensidade de infecções de vias aéreas superiores (VAS). E a alergia não diagnosticada e/ou não
tratada adequadamente é um fator
extremamente importante na gênese das infecções de vias aéreas superiores.
Como assim? Alergia tem algum tipo de ligação com
infecção? Tanto na prática, quanto em
trabalhos científicos, parece que sim, porque a alergia também é uma reação
inflamatória (que ataca o próprio paciente) e que pode alterar o estado de imunidade
às infecções; a partir daí, podem ocorrer infecções oportunistas por vírus e/ou
bactérias (geralmente por bactérias - que já temos nas vias aéreas superiores,
mas que quando temos uma boa defesa, não causam infecção).
Há um número considerável de
adultos que necessitam extirpar as amígdalas, porém, o maior nº de cirurgias
ainda é feito em crianças.
E parece que ainda há crianças
com grande limitação na qualidade de vida e pacientes que chegam à vida
adulta com complicações (sinusite crônica, roncos, desvio de septo nasal, exteriorização
de arcada dentária superior, mordida cruzada, e outras) por não terem operado no
momento mais adequado (quando crianças).
Os ossos da face, nariz, dentes, amígdalas, língua, entre outros, estão
em fase de crescimento ou formação e tem uma íntima relação entre si; respirar
pela boca ou uma dessas regiões infeccionar com frequência, irá afetar a
estrutura dos demais.
Em suma: se não forem abordados pelo ORL, no futuro terão que ser
abordados por odontólogos, ortodontistas, fonoaudiólogos e outros
profissionais, para corrigir aquelas deformidades que seriam evitáveis.
Porque isso acontece? Não há um consenso entre ORL e pediatras
quanto necessidade e o momento adequado à cirurgia; parece haver uma
resistência muito grande à cirurgia, tanto por parte da família da criança
(ex.: medo com relação aos riscos envolvidos numa cirurgia), quanto por parte
de alguns pediatras, parece que acreditam na possibilidade de algum benefício
ao se postergar o procedimento cirúrgico, quem sabe baseados em alguma corrente
de pensamento - talvez a crença de que a amígdala é sempre benéfica à imunidade
às infecções e que a sua retirada implicaria em menor resistência; e casos acompanhados pelo ORL e com indicação deste
para realizar a cirurgia, algumas vezes tem parecer contrário do outro
profissional, e na dúvida, os pais optam por tratamento conservador.
O
argumento de que a retirada das amígdalas prejudica a imunidade às infecções
não se confirma na prática (e nem mesmo nos trabalhos científicos sérios).
Pelo
contrário, parece que na prática, se reduzem drasticamente os sinais e sintomas
de infecções e alergias de vias respiratórias altas (e até mesmo as baixas –
bronquite/asma). Parece haver, na
maioria das crianças operadas: ganho de peso e altura de forma mais acelerada,
melhora na respiração e sono, após intervenção cirúrgica nas amígdalas com ou
sem retirada simultânea de adenóide (obs¹.: adenóide deve existir
apenas em crianças até +- 12 anos, quando involui; adultos normais não a têm – sua
função é semelhante à amígdala e é retro-nasal – quando aumenta, obstrui o
nariz; obs²: recentemente operei um adulto com amígdalas
muito aumentadas (“enormes”) – as maiores que removi em 13 anos na
especialidade; com infecções +- 1x/mês e que ainda tinha adenoide – e grande –
não deveria ter, que também foi removida).
Em muitos pacientes ainda é
difícil “fechar” a decisão entre operar ou manter tratamento clínico, já que
não há um consenso sobre o momento de agir, dúvidas e medo do paciente ou de
familiares com relação à cirurgia; também há que se considerar: nº de
infecções, tamanho de amígdalas e/ou adenoide, impacto na qualidade de vida,
alergias associadas, resistência de familiares e pediatras em aceitar a
cirurgia, inflamações que parecem infecções mas não são, “sumiços do paciente”
(2ª, 3ª opinião, etc e fica ainda com mais dúvidas e não retorna ou retorna
meses ou anos depois).
Outro entrave: algumas das inflamações de
amígdalas não são identificadas como infecção bacteriana - são infecção de
origem viral (principalmente gripe), ou nem são infecção → ex.: inflamações ou
erosões por ar seco/respiração oral, por refluxo gastro-esofágico (RGE),
alergias, sem infecção associada – e
esses casos não são contados para finalidades cirúrgicas.
Isso
mesmo, temos que contar o nº de infecções bacterianas com pus (amigdalites
purulentas ≥ 6x/ano, ou em casos de maior risco ≥ 4x/ano); geralmente
consideramos como “normal”, que as amígdalas infeccionem até 3x/ano.
Há situações
bem definidas (obstrução respiratória / apnéia) e outras que são discutíveis, quanto à indicação de
amigdalectomia ou adenoamigdalectomia (quando também há comprometimento de adenóide). Os mais comuns:
- Apnéia do sono** (paradas
respiratórias, de curta duração: alguns segundos) - indicação absoluta**,
mais urgente que as outras indicações cirúrgicas, devido risco de sufocamento,
baixa oxigenação do sangue e arritmias cardíacas (risco de complicações graves
e até de morte durante o sono).
- Abscesso Periamigdaliano
(pus; semelhante a “furúnculo” ao redor da amígdala); isso pode
evoluir para casos graves e até fatais (obstrução aguda de vias aéreas
superiores – insuficiência respiratória aguda, mediastinite, sepse, infecção/celulite
cervical, meningite, entre outros).
- Amigdalites de Repetição
(amigdalites purulentas ≥ 6x/ano, ou em casos de maior risco ≥ 4x/ano);
lembramos que, geralmente consideramos como “normal” até 3x/ano.
- Risco de complicações
cardíacas (febre reumática) e renais (Glomerulonefrite Difusa
Aguda – GNDA); geralmente esse risco é associado com infecções de
repetição + infecções de pele pelo estreptococos + inflamações
articulares (artrites) ou história familiar de existência prévia de doenças
reumáticas ou renais.
- Indicação cirúrgica pouco
realizada pelos ORL: Caseum + Halitose; mas o nº de cirurgias vem
aumentando – o desconforto social que isso causa é enorme, devido ao
odor desagradável; o caseum ou cáseo (caseum – do grego: queijo) é uma
massa resultante da descamação mucosa e acúmulo de secreção, podendo chegar a
calcificar e formar cálculo nas criptas amigdalianas (cavidades na superfície
das amígdalas); pode haver agregação de restos alimentares a essa massa, que ao
se decomporem, aumentam o odor; além da cirurgia, há a possibilidade de
cauterização das criptas (criptólise – com laser ou bisturi de
radiofrequência), mas há a possibilidade de recidiva do caseum em outros pontos
da amígdala. A retirada cirúrgica completa
das amígdalas não deixa margem para o surgimento de novos focos.
Voltando
ao caso da paciente que queria operar as “amigas”:
* Comentário: Se desse jeito, ela tem “amigas” (traduzindo
= amígdalas*), imagine se tivesse “inimigas”.
** Como aquela foi a primeira consulta segui o protocolo e
iniciei tratamento clínico e a contagem.
Como a paciente não mais retornou, suponho que desistiu.
*** Agradecimentos:
- Aos
amigos e todos os seguidores que postaram perguntas, sugestões ou cederam
imagens e experiências sobre o assunto abordado (são muitos e não foram citados
para não cometer a “gafe” de omitir algum colaborador).
- À
paciência dos leitores, porque apesar da tentativa de montar um texto com algo
lúdico, um tema tão complexo (um dos
mais importantes da ORL), não tem como abordar apenas de forma leiga – “aborrecendo”
o leitor com alguns termos técnicos.
* Dr. Celso – Otorrinolaringologista
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