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sexta-feira, 16 de setembro de 2011



Amígdalas - Amigas ou Inimigas?

Operar ou não operar – Eis a questão...

              “Causo” * (real): atendi certa vez, uma senhora que vivia em área rural, que desejava operar as “amigas”* urgente, o mais rápido possível, porque elas inflamavam 1x/mês e às vezes, até mais de uma vez no mês (portanto > 12x/ano).  

(“causo”  é um termo popular que usa histórias geralmente fictícias, mas que também podem ser verdadeiras, para ilustrar uma situação engraçada – por isso houve a explicação de que a história ocorreu de fato).

               Veremos abaixo, que somente pelo nº de infecções (≥ 6x/ano), a cirurgia já estaria bem indicada nesse caso, já que a atitude mais adequada seria acompanhar e contar o nº de infecções solicitar exames pré-operatórios e risco cirúrgico. Após a 3ª infecção testemunhada por mim, se não houvesse impedimento constatado nos exames, aí sim iríamos marcar a cirurgia.
              Veja bem, que de acordo com a prática médica e diretrizes estabelecidas por estudos científicos internacionais, ainda que haja relato de urgência, a amigdalectomia não é cirurgia de urgência – é eletiva (conforme expliquei anteriormente, ou seja: deve ser planejada, tendo todo o preparo necessário para reduzir os riscos que envolvem qualquer cirurgia  (ou seja, seguir um protocolo de segurança).
               O profissional que trata dos problemas relacionados com as amígdalas é o Médico Otorrinolaringologista (ORL), grupo de especialistas do qual faço parte. Por solicitações, decidi escrever um pouco mais sobre este assunto já que é uma queixa muito frequente no consultório e com isso dirimir mais algumas dúvidas.




               No passado, operavam-se muitos casos, que hoje não operamos (acredito ser principalmente graças à evolução de antibióticos e antialérgicos).  Geralmente a alergia inflama nariz, garganta e ouvidos (inflamação sem infecção) – mas pode complicar ainda mais com infecções oportunistas - gripe (vírus) e/ou evoluindo com infecção bacteriana.  Então, tratando da alergia, há uma melhora significativa da quantidade e intensidade de infecções de vias aéreas superiores (VAS).  E a alergia não diagnosticada e/ou não tratada adequadamente  é um fator extremamente importante na gênese das infecções de vias aéreas superiores. 
               Como assim?  Alergia tem algum tipo de ligação com infecção?  Tanto na prática, quanto em trabalhos científicos, parece que sim, porque a alergia também é uma reação inflamatória (que ataca o próprio paciente) e que pode alterar o estado de imunidade às infecções; a partir daí, podem ocorrer infecções oportunistas por vírus e/ou bactérias (geralmente por bactérias - que já temos nas vias aéreas superiores, mas que quando temos uma boa defesa, não causam infecção).
               Há um número considerável de adultos que necessitam extirpar as amígdalas, porém, o maior nº de cirurgias ainda é feito em crianças. 
               E parece que ainda há crianças com grande limitação na qualidade de vida e pacientes que chegam à vida adulta com complicações (sinusite crônica, roncos, desvio de septo nasal, exteriorização de arcada dentária superior, mordida cruzada, e outras) por não terem operado no momento mais adequado (quando crianças).  Os ossos da face, nariz, dentes, amígdalas, língua, entre outros, estão em fase de crescimento ou formação e tem uma íntima relação entre si; respirar pela boca ou uma dessas regiões infeccionar com frequência, irá afetar a estrutura dos demais. 
               Em suma: se não forem  abordados pelo ORL, no futuro terão que ser abordados por odontólogos, ortodontistas, fonoaudiólogos e outros profissionais, para corrigir aquelas deformidades que seriam evitáveis.
                Porque isso acontece?  Não há um consenso entre ORL e pediatras quanto necessidade e o momento adequado à cirurgia; parece haver uma resistência muito grande à cirurgia, tanto por parte da família da criança (ex.: medo com relação aos riscos envolvidos numa cirurgia), quanto por parte de alguns pediatras, parece que acreditam na possibilidade de algum benefício ao se postergar o procedimento cirúrgico, quem sabe baseados em alguma corrente de pensamento - talvez a crença de que a amígdala é sempre benéfica à imunidade às infecções e que a sua retirada implicaria em menor resistência;  e casos acompanhados pelo ORL e com indicação deste para realizar a cirurgia, algumas vezes tem parecer contrário do outro profissional, e na dúvida, os pais optam por tratamento conservador.
               O argumento de que a retirada das amígdalas prejudica a imunidade às infecções não se confirma na prática (e nem mesmo nos trabalhos científicos sérios).  
             Pelo contrário, parece que na prática, se reduzem drasticamente os sinais e sintomas de infecções e alergias de vias respiratórias altas (e até mesmo as baixas – bronquite/asma).  Parece haver, na maioria das crianças operadas: ganho de peso e altura de forma mais acelerada, melhora na respiração e sono, após intervenção cirúrgica nas amígdalas com ou sem retirada simultânea de adenóide (obs¹.: adenóide deve existir apenas em crianças até +- 12 anos, quando involui; adultos normais não a têm – sua função é semelhante à amígdala e é retro-nasal – quando aumenta, obstrui o nariz; obs²: recentemente operei um adulto com amígdalas muito aumentadas (“enormes”) – as maiores que removi em 13 anos na especialidade; com infecções +- 1x/mês e que ainda tinha adenoide – e grande – não deveria ter, que também foi removida).  
               Em muitos pacientes ainda é difícil “fechar” a decisão entre operar ou manter tratamento clínico, já que não há um consenso sobre o momento de agir, dúvidas e medo do paciente ou de familiares com relação à cirurgia; também há que se considerar: nº de infecções, tamanho de amígdalas e/ou adenoide, impacto na qualidade de vida, alergias associadas, resistência de familiares e pediatras em aceitar a cirurgia, inflamações que parecem infecções mas não são, “sumiços do paciente” (2ª, 3ª opinião, etc e fica ainda com mais dúvidas e não retorna ou retorna meses ou anos depois).
           Outro entrave: algumas das inflamações de amígdalas não são identificadas como infecção bacteriana - são infecção de origem viral (principalmente gripe), ou nem são infecção → ex.: inflamações ou erosões por ar seco/respiração oral, por refluxo gastro-esofágico (RGE), alergias, sem infecção associada  – e esses casos não são contados para finalidades cirúrgicas.
                Isso mesmo, temos que contar o nº de infecções bacterianas com pus (amigdalites purulentas ≥ 6x/ano, ou em casos de maior risco ≥ 4x/ano); geralmente consideramos como “normal”, que as amígdalas infeccionem até 3x/ano.
                Há situações bem definidas (obstrução respiratória / apnéia) e outras que são  discutíveis, quanto à indicação de amigdalectomia ou adenoamigdalectomia (quando também há comprometimento de adenóide).  Os mais comuns: 

               - Apnéia do sono** (paradas respiratórias, de curta duração: alguns segundos) - indicação absoluta**, mais urgente que as outras indicações cirúrgicas, devido risco de sufocamento, baixa oxigenação do sangue e arritmias cardíacas (risco de complicações graves e até de morte durante o sono).

               - Hipertrofia intensa (aumento) de adenóide e/ou amígdalas (parece ser a causa mais comum de cirurgias, na maioria dos serviços de ORL); pode estar associada com roncos (comumente relatados pelos pais) e apnéia do sono (se a hipertrofia e roncos estiverem associados com apnéia, a cirurgia é mais urgente);

  
            
              - Abscesso Periamigdaliano (pus; semelhante a “furúnculo” ao redor da amígdala); isso pode evoluir para casos graves e até fatais (obstrução aguda de vias aéreas superiores – insuficiência respiratória aguda, mediastinite, sepse, infecção/celulite cervical, meningite, entre outros). 


               - Amigdalites de Repetição (amigdalites purulentas ≥ 6x/ano, ou em casos de maior risco ≥ 4x/ano); lembramos que, geralmente consideramos como “normal” até 3x/ano.

           - Risco de complicações cardíacas (febre reumática) e renais (Glomerulonefrite Difusa Aguda – GNDA); geralmente esse risco é associado com infecções de repetição + infecções de pele pelo estreptococos + inflamações articulares (artrites) ou história familiar de existência prévia de doenças reumáticas ou renais.

             - Indicação cirúrgica pouco realizada pelos ORL: Caseum + Halitose; mas o nº de cirurgias vem aumentando – o desconforto social que isso causa é enorme, devido ao odor desagradável; o caseum ou cáseo (caseum – do grego: queijo) é uma massa resultante da descamação mucosa e acúmulo de secreção, podendo chegar a calcificar e formar cálculo nas criptas amigdalianas (cavidades na superfície das amígdalas); pode haver agregação de restos alimentares a essa massa, que ao se decomporem, aumentam o odor; além da cirurgia, há a possibilidade de cauterização das criptas (criptólise – com laser ou bisturi de radiofrequência), mas há a possibilidade de recidiva do caseum em outros pontos da amígdala.  A retirada cirúrgica completa das amígdalas não deixa margem para o surgimento de novos focos.



Voltando ao caso da paciente que queria operar as “amigas”:
* Comentário: Se desse jeito, ela tem “amigas” (traduzindo = amígdalas*), imagine se tivesse “inimigas”.

** Como aquela foi a primeira consulta segui o protocolo e iniciei tratamento clínico e a contagem.  Como a paciente não mais retornou, suponho que desistiu.

*** Agradecimentos:
- Aos amigos e todos os seguidores que postaram perguntas, sugestões ou cederam imagens e experiências sobre o assunto abordado (são muitos e não foram citados para não cometer a “gafe” de omitir algum colaborador). 
- À paciência dos leitores, porque apesar da tentativa de montar um texto com algo lúdico,  um tema tão complexo (um dos mais importantes da ORL), não tem como abordar apenas de forma leiga – “aborrecendo” o leitor com alguns termos técnicos.





* Dr. Celso – Otorrinolaringologista

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